Não é de hoje que se discute o impacto do digital nos negócios e, consequentemente, nas profissões. A grande questão é que a discussão fica cada vez mais específica. Se antes muito girava em torno da grande transformação digital que viria, atualmente, sabe-se que do conjunto de tecnologias que compõem essa virada, inteligência artificial é que a mais impacto causa, seja do ponto de vista de modelo de negócio, extinção e criação de novas profissões e também no estilo de vida da sociedade como um todo.
Isso posto, pesquisas de variadas instituições tentam calcular qual o tamanho do impacto e neste recente estudo, produzido pelo IBM, a cifra é de que pelo menos 120 milhões de pessoas, considerando apenas as dez maiores economias do mundo, precisarão passar por um processo de retreinamento, reciclagem ou ganho de novas habilidades, como preferir.
De acordo com o estudo, todo esse processo deverá acontecer, sobretudo, em decorrência das mudanças promovidas por inteligência artificial e automação inteligente. Um ponto interessante, é que, embora haja uma revolução em curso e muita gente está antenada nos riscos a que está exposta se ficar parada, 50% dos ouvidos em outro levantamento feito pela Harris Poll, em nome da IBM, entendem que a cultura da empresa será uma das grandes barreiras na adoção das tecnologias emergentes, principalmente, AI.
Diversas economias mundo afora já entenderam que do grupo de tecnologias emergentes, AI é a que causa maior impacto no ecossistema socioeconômico, uma vez que mexe diretamente na empregabilidade das pessoas. França, China, Estados Unidos e Reino Unido são exemplos de países que iniciaram uma corrida para liderar essa seara e, muito provavelmente, quem estiver de fora, terá sua vida dificultada nesta nova cadeia global que se forma.
O trabalho dos países, no entanto, principalmente da América Latina, não é fácil. Um levantamento da OCDE, Cepal e CAF, mostra que as taxas de matrícula em cursos chamados de STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática) variam entre 2% e 7% na AL, contra 10% nos países da OCDE e de 13% a 18% em nações como Alemanha, França, Irlanda, Reino Unido e China. Apenas essa métrica revela o tamanho da encrenca.
“Existe uma corrida. A China quer liderar o tema de AI até 2030 e sempre tenho dito que a América Latina tem que ter consciência de que esse tema é estratégico e fundamental para que a região siga fazendo parte da cadeia global de negócios. Então, é preciso acelerar indústrias tradicionais no processo de adoção de plataformas digitais, como a de alimentos, e escalar aquelas que abraçam tecnologia como protagonismo, como os bancos no Brasil, reconhecidos por sua inovação. E, por fim, preparar os profissionais de hoje para que estejam prontos e capacitados para a tecnologia do futuro”, resumiu Ana Paula Assis, presidente da IBM para América Latina ao falar do assunto e demonstrar um pouco de sua preocupação para região, embora entenda que o assunto já esteja um pouco endereçado em alguns países.
100% das profissões impactadas
Para o vice-presidente de consultoria da IDC para América Latina, Alejandro Floreán, é preciso olhar com cuidado todo o cenário da região, até porque, numa análise simplista, as pessoas pensam apenas em AI substituindo gente, mas não é a tendência, argumenta, indo na mesma linha das grandes corporações que falam em agregar e ampliar competências.
Além disso, ele cita exemplos de carreiras afetadas dentro e fora de tecnologia. “Todas as profissões como contadores, matemáticos e outros que lidam com dados, precisarão de retreinamento para lidar com dados e sistemas. Muitas formações estão se tornando obsoletas. Outro exemplo, tudo que tem a ver com tecnologia sem fio, essas tecnologias vão transformar os profissionais que gerenciavam rede há 10 anos, esses são apenas alguns exemplos de impactos em profissões diretamente”, exemplificou.
A velocidade com que as mudanças acontecem e aplaca empresas e carreiras é o que mais assusta e preocupa, mesmo os mais envolvidos e informados sobre os processos tecnológicos. E a grande pergunta é: a América Latina, com todos seus problemas sociais históricos e complexidades político-econômicas, terá tempo hábil para retreinar e ressignificar sua mão de obra? O mesmo executivo da IDC lembrou, por exemplo, que, tradicionalmente, as empresas na região investem pouco em treinamento de forma geral e não se preocupam tanto com o desenvolvimento dos seus talentos.
Assim, além de lidar com toda a transformação advinda da tecnologia, uma mudança cultural e profunda será necessária, como corrobora Ana Paula. “Passamos por mudança cultural muito forte nas empresas, saindo de ambientes onde alguém decide e outro executa, passando para organizações que geram empoderamento. Métodos ágeis só são possíveis com esse tipo de empoderamento, por isso, o retreinamento é importante. O segundo ponto é que treinamento sempre foi algo apenas de RH. Isso precisa mudar, conhecimento tem de ser parte de todas as unidades de negócio das empresas, até porque, 100% das profissões serão impactadas, assim todos correm o risco de ficarem defasados”, comentou, lembrando que os próprios profissionais precisam buscar por novas qualificações e, inclusive, ser avaliado por isso.
Do ponto de vista de capacitação, tudo muda também. Como lembrou o presidente da Sain Paul Escola de Negócios, José Securato, o momento é de resolução de problemas complexos e de estar aberto a um processo de aprendizagem contínua, inclusive com o mote da escola que é o educar-se por microformação.
“A mentalidade é o mais difícil de mudar. Todos nós temos ideia de que aprendemos para sempre, formamos e acabou. Quando finalizamos a graduação é como se tivéssemos desativado o modo aprender e é preciso mudar para aprender continuamente, de forma orgânica, fluída. Também é preciso pensar em micromomentos, nanograduação e programas mesclados, e viver essa era da colaboração que consiste em criar e resolver problemas complexos de maneira conjunta.”
*O jornalista viajou a San Francisco a convite da IBM
Fonte: Computer World